26 de março de 2010

MEU VIZINHO, O JUIZ

Conheci primeiro sua esposa. Morávamos na mesma rua, em Santa Teresa, meu primeiro endereço de recém-casada. Depois, engravidamos, com poucos dias de diferença, ela do seu terceiro filho e eu da minha primeira filha. Tricotávamos sapatinhos, mantinhas, enquanto assistíamos às crianças em seus folguedos, na pracinha. A amizade nasceu e foi crescendo.
Pessoa alegre, sempre de bem com a vida, era uma companhia agradável e amiga sempre presente.
Seu marido, o juiz, pessoa austera, sempre sério. No começo me deixava um pouco intimidada.
Contudo, com a convivência, fui descobrindo que pessoa especial ele era.
Bom esposo, sempre atento e carinhoso com sua companheira.
Pai exigente, sempre corrigindo, educando, mas deixando transparecer em suas zangas, o grande amor que sentia pelos filhos.
Santa Teresa era, na década de 50, uma cidadezinha muito pacata, sem graves ocorrências policiais.
Nos dois anos em que lá morei, só lembro de um crime (dizem que por disputa de terras) que abalou aquela comunidade.
Assim, o juiz não vivia assoberbado de trabalho. Do Fórum para sua casa, de casa para o Fórum, ia resolvendo os processos que lhe eram apresentados, dentro da correção e integridade que lhe eram natas.
Um dia, estávamos os três na varanda de sua casa, eu já de saída, quando chega um moço com uma “capoeira” de galinha. Para quem não sabe, é como o pessoal do interior chama aquele engradado para transportar as penosas.
O meu vizinho foi até o portão para recebê-lo.
O moço tirou o chapéu. E travou-se entre eles o seguinte diálogo.
-Aqui é que mora o juiz?
-Sim senhor.
-Bom, eu trouxe estas galinhas pra ele.
-Ah... O senhor conhece o juiz?
-Não senhor.
-E estas galinhas, foi algum amigo dele que mandou?
-Não senhor. Sou eu mesmo que estou trazendo para ele.
-Mas o senhor não conhece o juiz... Não é amigo dele, pois não?
O moço coçou a cabeça, embaraçado.
-Por acaso não teria nenhuma queixa registrada contra o senhor na Delegacia de Polícia?
-Sabe, doutor, outro dia eu andei bebendo além da conta. Briguei com meu vizinho e dei umas garrafadas nele. Mas coisa de pouca monta, doutor. Não foi nada sério, juro pro senhor. Mas ele ficou brabo e deu queixa de mim pro delegado. “Tou” sabendo que tenho que ir falar com o dr. Juiz.
-Ah, é? Puxa já daqui com sua “capoeira” de galinha! E depressa!
-Mas...
-Sem mas, nem meio mas! E antes que eu me arrependa e lhe mande prender.
O homem pegou sua capoeira e escafedeu-se.
Rapidamente sumiu na curva da rua...
Mas o meu vizinho, o juiz, Carlos Teixeira de Campos era assim. No exercício de sua profissão, não admitia receber nem um agrado, nem mesmo se este tivesse penas.
Mas sua personalidade tinha um outro lado. Era um poeta. E suas poesias, muitas delas sobre pontos turísticos do Estado do Espírito Santo, retratavam o quanto amava esta terra, ele que era natural do Estado do Rio de Janeiro.
Em uma delas, falando de sua profissão, “A prece do juiz”, na última estrofe pede o seguinte:

“Concedei, para sempre, ó Soberano,
a este humilde julgador humano,
a inspiração de só fazer justiça!”

Mas a poesia dele que eu mais gosto é aquela que fala sobre a saudade.
Porque é este o sentimento que me enche o peito, quando lembro do dr. Carlos, de nossas conversas, do seu incentivo quando descobriu que eu também gostava de escrever.
Mais do que nunca ao ver nos nossos dias, tantos juízes, desembargadores metidos em falcatruas, ilegalidades, me vem ao pensamento a sua figura íntegra, honrada, do quanto dignificou a profissão que exerceu durante toda a sua vida.
Acima de tudo, Carlos Teixeira de Campos é um magnífico exemplo a ser seguido!

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