29 de março de 2010

JULGAMENTO DOS NARDONI

Acompanhei, como todo o país, os cinco dias finais do julgamento dos assassinos de uma criança de cinco anos que passou a ser conhecido como “O CASO ISABELA”.
Ouvi peritos, delegados, promotores, advogados, familiares, vizinhos, muitas pessoas que de uma forma ou de outra tinham algo a dizer sobre o caso.
E em determinado momento ouvi o promotor que atuou no caso da Suzane (aquela que planejou o assassinato dos pais) dizendo que todos deveríamos ter compaixão tanto dos pais dos assassinos quanto tínhamos da mãe da Isabela.
Lembrei, naquele instante, de uma carta divulgada pela Internet de uma mãe que perdeu um filho jovem, com a vida pela frente, rapaz correto, motivo de orgulho para os pais, assassinado por um marginal que lhe queria tirar o relógio. O que o rapaz deu, sem oferecer resistência. E o assassino o matou, sem dó nem piedade.
A carta daquela mãe dirigida à mãe do assassino, que pedia compaixão para a sua dor, dizia que ela tinha sim, muita pena dela. Porém, no próximo domingo, dia de visita no presídio, ela poderia ir abraçar o filho. Todavia, a ela só restava ir colocar flores no túmulo do filho assassinado com a certeza de que jamais o teria de volta, para que pudesse também abraça-lo.
Hoje, ouvi a Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabela dizendo que nada traria sua filha de volta. Nunca mais tornará a vê-la, acompanhar seu desenvolvimento, vê-la se formando, quem sabe casando... Este direito lhe foi tirado.
Acho nossas leis uma vergonha.
Os milhares de recursos, de furos, de atalhos para que culpados fiquem impunes, envergonham as pessoas corretas deste infeliz país. O assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho completou 7 anos recentemente e o suspeito de ser o principal mandante do crime está na rua.
Sua pena (se é que se pode chamar de pena) foi uma aposentadoria proporcional ao tempo de serviço. Quem leu o livro “ESPÍRITO SANTO” escrito pelo juiz Carlos Eduardo Lemos, pelo dr. Rodney Rocha Miranda, Secretário de Segurança do Estado, e Luiz Eduardo Soares, fica pasmo com a corrupção entranhada nos poderes executivo, legislativo e judiciário do Espírito Santo. Que não é exceção à regra, infelizmente.
Quem tem recursos para pagar bons advogados que conhecem estas brechas de nossas leis, dificilmente vai para a cadeia . E quando vai, começa aquela história que só existe no Brasil de pena progressiva, que vai diminuindo a pena inicialmente dada ao criminoso. Em pouco tempo ele já estará livre.
Lembro-me de que, há muitos anos, estudava para prestar um concurso público. Uma das provas que faríamos era de Noções de Direito: cível, criminal, previdenciário, tributário, trabalhista, etc. Meu colega, advogado, dr. Antonio Romildo Andrade me perguntou se eu já havia assistido alguma vez um julgamento.
Não, nunca. E ele me levou para assistir a um no Fórum de Vila Velha.
O réu era um empregado de um armazém, que havia roubado um “pedaço de charque e duas pernas de lingüiça” para os filhos jantarem. Já estava preso há dois anos aguardando julgamento. O seu advogado era um defensor público, já que ele não tinha dinheiro, obviamente, para pagar os honorários de um advogado.
Estranhei e muito, o procedimento dos participantes, O promotor não prestava a menor atenção quando o defensor falava. O juiz por vezes até se ausentava da sala. Nunca tinha visto aquilo acontecer nos julgamentos dos filmes policiais americanos, os únicos que eu conhecia até então.
Só gostei quando o defensor disse que o gasto que a Justiça estava tendo, com aquele julgamento era uma afronta aos contribuintes. No final do julgamento, entendendo que ele já tinha sido punido o suficiente, soltaram o homem. Mas ele já tinha cumprido dois anos de cadeia. Naqueles dois anos, o que os filhos dele e a mulher passaram? Fome, privações de toda a ordem? Este é o nosso país.
Até quando nossos legisladores assistirão impassíveis tais absurdos acontecerem? É o que me pergunto, indignada.

Thelma Maria Azevedo

QUANDO EU ME FOR...

Quando eu me for
Filho meu, filha minha
Lembrem-se de mim
(de vez em quando...),
Quando olharem pro céu
E virem aquela lua cheia, bonita
Onde eu sempre vi São Jorge e o Dragão...
Em espírito, estarei olhando também...
Quando for verão
E o sol surgir em toda a sua plenitude
Aquecendo os corpos
Dourando os campos
Lembrem-se de como eu amava o verão...
Se a saudade for muito grande
Abram aquela gaveta onde
Guardaram suas recordações
Das nossas histórias de vida...
Façam uma faxina...
Retirem dela as pequenas mágoas
Que eu possa ter lhes causado.
As palavras
Que eu não deveria ter dito nunca
E das quais me arrependi.
Os mal-entendidos...
Os ressentimentos
(se ficaram alguns)
Verão que foram insignificantes...
Olhem a gaveta depois disto.
Vejam como ainda ficou cheia
Agora, com outro tipo de conteúdo!
Só coisas boas, vividas ao longo
De tantos anos
De uma convivência amiga.
(repare bem)
O que vocês retiraram
Foi tão pouco
Que não fez diferença alguma...
O que permaneceu na gaveta foi o que
Realmente teve importância
Termos vividos juntos,..
Os bons momentos,
As risadas,
As alegrias compartilhadas,
O ombro amigo
Sempre pronto a consolar...,
O amor que ficou, acima de tudo...
Não chorem minha ausência.,,
Abram a gaveta quando sentirem saudade
E sempre lá irão encontrar uma
Experiência vivida e partilhada...
Que verdadeiramente
Fez a diferença
Em nossas vidas.
Depois disto tudo,
Com a alma apaziguada,
Rezem por mim.

Vitória, fevereiro/2008
Thelma Maria Azevedo

SOGRAS E CHEFES...

Acho que não existem, no folclore (?) nacional, duas palavrinhas tão mal afamadas como estas. Mas, é um exagero. Existem sogras que são verdadeiras amigas e também chefes justos, compreensivos, que sabem tirar dos seus subordinados o que eles têm de melhor, absolutamente sem “dor”....
Eu, por exemplo, se falasse mal da minha sogra, estaria cometendo uma grande injustiça. Nada, nada mesmo a reclamar.
Chefes... Tive vários, nos meus 31 anos de vida profissional. E nesse universo, por sorte, posso dizer, sem medo de errar, que a maioria foi de ótimos. Tanto que nem lembro dos que não foram tão bons assim...
Competentes, amigos, justos, com os quais foi um prazer trabalhar.
Não querendo ser injusta com ninguém, gostaria de destacar, entre os bons Secretários de Estado com os quais trabalhei, José Celso Cláudio, Celso da Silva Loureiro e Zélio Guimarães.
Chefes de setores, departamentos, posso citar .Liney..Lucas, Marta Regina, Therezinha Brunow e em especial, Marly Pereira Neves.
Conhecemos-nos quando fui trabalhar no Núcleo Regional de Educação de Vitória. Ela, recém chegada de Colatina, era o braço direito de Therezinha Brunow, chefe daquele órgão. Entre nós estabeleceu-se logo uma empatia.
Excelente profissional, competente, exigente mas sempre agindo com justiça e critério para com os que com ela trabalhavam. De colega de trabalho, tornamo-nos amigas e passei a freqüentar sua casa, podendo acompanhar de perto sua vida familiar. Dedicada esposa, mãe sempre atenta à educação dos filhos, à organização de seu lar.
Quando deixei a SEDU para assumir um cargo comissionado na SESP, já não mais trabalhando juntas, nunca nos afastamos, continuamos amigas. Acompanhei o crescimento de seus filhos, hoje destacados membros da magistratura espírito-santense.
Marly é uma pessoa possuidora de um caráter reto, íntegro. Sempre ocupou cargos de destaque na SEDU, sem nunca mudar sua forma de ser, tratando a todos com a mesma urbanidade e justiça.
Em sua casa, fui sempre recebida com o maior carinho.
Tendo transferido sua residência para Guarapari, já não podemos nos ver com tanta assiduidade, mas nos falamos por telefone, no mínimo.
Sempre me incentivou, acreditou em mim, participou de minhas conquistas com tanta alegria como se dela fossem. Com ela aprendi muito, não só na área profissional mas, principalmente, assimilando de seu exemplo novos valores, novos conceitos imediatamente incorporados a minha vida.
Marly não aplicava em nenhuma ocasião o famoso “jeitinho brasileiro”. Se o funcionário tinha amparo legal em sua pretensão, o despacho era favorável. Caso contrário... Seu parecer era sempre embasado no que dizia a lei.
Seguindo a sua “escola”, em minha vida profissional nunca me afastei do caminho reto para beneficiar a este ou aquele, fossem eles amigos, políticos, se o texto legal não os favorecesse.
Tenho muita saudade de nosso convívio mais freqüente, seu ombro amigo sempre disposto a me receber.
Na caminhada da vida, convivemos com colegas de escola, companheiros de trabalho. E fazemos alguns amigos. Estes serão sempre pessoas muito especiais, para merecerem tal denominação.
Milton Nascimento diz em uma de suas canções que “amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito”. É onde Marly sempre vai estar, enquanto eu viver.
Thelma Maria Azevedo.

26 de março de 2010

O RIO DOCE

Eu o conheci na década de 40.
Fui de trem, pela primeira vez viajando sozinha, sem a companhia de meus pais, passar as férias grandes (como eram conhecidas as férias de fim de ano) em Governador Valadares, onde moravam meus primos.
Não sei se pelo fato de ter sido a primeira vez em que eu saía sozinha, sentindo-me muito independente, não sei se pelo carinho daqueles parentes, por conhecer Governador Valadares numa época em que “a escola era risonha e franca”... ou pelo Rio Doce.... Acho que talvez um somatório de todas estas coisas, faziam o meu coração bater mais forte, na expectativa de uma aventura a ser vivida, como disse, pela primeira vez ...
Nos períodos de férias, afluíam a Valadares todos os jovens que estudavam fora daquela cidade. A maior parte, nas cidades de Juiz de Fora e Belo Horizonte.
A cidade ganhava toda uma animação, uma efervescência maior, provocadas pelos jovens estudantes.
Os clubes recreativos, entre os quais o Minas Clube e o Ilusão, ofereciam muitos atrativos, competições de jogos de vôlei, futebol, pingue-pongue...Havia os bailes domingueiros, onde cada jovem já escolhia o seu parceiro para as próximas danças...As vezes, até um namorico surgia...
Também existia uma praça de esportes, ponto de reunião da moçada, para andar de bicicleta ou simplesmente conversar.
.E havia as serestas, em noite de lua cheia, à beira do rio Doce. Era maravilhoso ver a lua surgir e traçar seu caminho de prata sobre as águas tranqüilas do rio. Íamos em turmas, com violões, um repertório de músicas românticas, hoje consideradas bregas, e ali, ficávamos, vendo o rio Doce correr imponente, suas águas ainda límpidas, em direção ao mar...Cada vez mais belo, mais forte sem peias e sem prisão... Era um rio bravio, ao mesmo tempo singelo. De repente, acelerava seu ritmo, e abrupto, a gemer, a rugir, resvalava na Cachoeira da Fumaça...
Rio “é um caminho que anda”, já disse o poeta. Nascendo no município de Ressaquinha, na serra da Mantiqueira, no Estado de Minas Gerais, percorre 853 km antes de seu encontro com o oceano Atlântico, já em território capixaba, na povoação de Regência, no município de Linhares.
Neste seu percurso, banha 228 cidades nos dois Estados: de Minas Gerais e Espírito Santo. Teve importância decisiva na conquista destes dois Estados, pelos europeus.
No século 18, por ele penetraram os sertanistas e exploradores, como Borba Gato. Já no século 19, foi a vez dos pesquisadores.
No século 20, o seu vale foi rasgado pela Estrada de Ferro Vitória a Minas que impulsionou o crescimento das diversas regiões localizadas às suas margens. O rio Doce passava com pressa rumo ao seu destino.
Eu refiz por uns quatro anos, esta jornada em busca de Governador Valadares, da Praça de Esportes, do rio Doce...
A vida me levou por caminhos outros, e perdi o rio Doce de vista.
Quando cursava Geografia, na UFES, fomos com um professor conhecer a sua foz, em Regência. Era um belo espetáculo ver suas águas encontrando-se, finalmente, com o oceano, seu destino final.
Muitos anos depois, mas muitos mesmo, voltei a Governador Valadares. Naquele período já havia uma linha de ônibus para lá. E qual não foi o meu choque, quando vi o rio Doce, em determinados trechos, quase seco! Apenas um manilhamento conduzia um filete daquele que foi um rio tão largo, tão imponente! Em cima dele, construíram um arremedo de estrada e pasma, vi o nosso ônibus atravessar para o outro lado do rio...
Meu coração doeu. Das suas margens, desaparecera toda a mata ciliar, que protegia o rio do assoreamento... A mão do homem havia interferido para tirar a proteção que impedia o desmoronamento de suas barrancas... Andaram ali, sem leis, dissolutos, o fogo e a serra elétrica tombando as árvores, deixando ruínas por todos os lados.
Em outros trechos, o rio aparecia, com um pouco mais de água, deixando ver bancos de areia, verdadeiras ilhas salpicadas em seu leito...
Nunca mais voltei a Valadares. Não mais avistei o rio Doce. Não sei o que tem sido feito para a recuperação daquele que foi um rio tão bonito e importante para a economia das cidades por ele percorridas.
Aqui, porém, rendo minha homenagem ao rio Doce e deixo e minha enorme saudade àquele que encantou a fase mais bonita de minha vida, a adolescência.
Thelma Maria Azevedo
“TEMPO DAS ÁGUAS” - Antologia da AFESL - 2008

AS PLANTAS E MINHA MÃE

Mamãe adorava plantas. Formar hortas, pomares, jardins, lhe dava um grande prazer. Fazia este trabalho com a maior alegria.
Seu programa predileto era passar os fins de semana no sítio “Chapéu de Palha”, da prima Leda e de seu marido Antônio Carlos.. Gostava de plantar árvores. Para a casa de sua prima Conceição, na Avenida Desembargador Santos Neves, Praia do Canto, trouxe, de Santa Catarina, uma ameixeira amarela.
Nos sítios de Leda e de Penhóca em Campinho de Santa Isabel, também andou espalhando árvores.
Moramos por alguns anos em uma chácara, em Aribiri, no município de Vila Velha. Lá já existiam varias árvores frutíferas, Mamãe então se dedicou a formar uma horta, de onde colhia alface, repolho. Rabanete, temperos verdes, bertalha, espinafre... Fez também uma latada de chuchu. Assim, tínhamos todos os dias, em nossas refeições, verduras e frutas fresquinhas.
Também amava as flores. Plantou ao lado de nossa casa um canteiro de gerânios, sua flor predileta.
Por onde andava, trazia sempre uma cor diferente. Era como se trouxesse um troféu conquistado... Chegou a ter 25 tonalidades diferentes de gerânios. E suas mãos tratavam as flores com tanto amor que o canteiro chamava a atenção de todos aqueles que passavam pela frente de nossa casa.
Olavo Bilac, em um dos seus mais lindos sonetos - Via Láctea - disse que “só quem ama pode ter ouvidos capaz de ouvir e de entender estrelas...” Nosso Rei, Roberto Carlos confessa que também conversa com suas plantas, que elas o entendem e respondem ficando a cada dia mais viçosas...
No relacionamento da mamãe com suas flores não faltava amor, daí porque conseguia conversar com elas.. O que diziam, não sei. Mas que as plantas a entendiam, entendiam. . Ora se não!
Não gostava de dar mudas de suas flores. Não negava. Mas, adiava para quando o pé da cor pedida não estivesse florido. Dizia que tirar uma muda naquela fase, prejudicaria a plantinha...
Um dia, seu canteiro amanheceu destroçado. Alguém entrara, à noite e arrancara não apenas mudas, mas os pés inteiros. Mamãe quase morreu de tristeza. Tentou refazer o canteiro. Mas a mão de quem a havia “roubado”, devia ter uma energia bem ruim. Baldados foram seus esforços. Nunca mais nasceu nada naquele que outrora havia sido um canteiro tão lindo...
Conformou-se com os vasos, onde plantava begônias, violetas, samambaias de metro lisas, crespas, etc.
Plantei um flamboyant na frente da nossa casa. Cresceu forte, estirou seus galhos, transformou-se em uma árvore frondosa, bonita. Porém, nunca floriu.
Na véspera de retornamos para nossa casinha no final da Rua Sete de Setembro, a vi conversando com o meu flamboyant. Dizia: “é, minha filha nunca viu uma florzinha nascer em seus galhos.... Vamos embora amanhã e você não lhe deu esta alegria..”.. E o papo foi por aí...
Na manhã seguinte, a ouvi me chamando: “filha, venha ver, venha ver!” Entre a folhagem, lá estava, tímida, a primeira flor do meu flamboyant! Foi quando fiquei sabendo que era de uma tonalidade alaranjada, muito bonita.
E mamãe feliz, dizia: “não disse que ele ia me atender? Eu tinha certeza!”
Esta era a minha mãe, com um coração tão cheio de amor e sabedoria que conseguia entender e conversar com as plantas.

Thelma Maria Azevedo
28/01/2009

A TOPADA

“No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.”
Carlos Drummond de Andrade

Escutei durante minha vida inteira que “Só existe uma coisa que leva pobre pra frente... Topada”. Isto me fez refletir. Puxei um gancho daqui, outro dali...
Fazendo uma analogia com outro assunto, muitas vezes, o que leva a gente pra frente, buscando progredir, crescer na vida, pode não ser uma topada, na exata concepção da palavra...
Pode ser uma atitude, de quem, às vezes, nos coloca uma “pedra” no caminho, na intenção de nos impedir de crescer, ir para a frente...
Ao colocar uma “pedra” em nosso caminho, pode nos dar aquele empurrão buscando realizações antes nem sonhadas, já que os desígnios de Deus são insondáveis...
E aquela atitude que deveria nos prejudicar, pode ser a força que vai agir de forma contrária...
Com este pequeno preâmbulo, conto aqui uma historinha, exemplificando o conhecido ditado...
Funcionária pública estadual, concursada, ela havia interrompido seus estudos há muitos anos. E embora estivesse ocupando de fato um cargo de chefia e executando as tarefas pertinentes ao mesmo, não lhe era dado o direito de usufruir benefícios monetários, sob a alegação de que não tendo cursado o 3º grau, não poderia ocupar legalmente o cargo, e receber os vencimentos a que deveria ter direito.
Diga-se, a bem da verdade, que não existia nenhuma exigência legal que fornecesse embasamento para tal restrição.
Então, resolveu voltar a estudar.
Fez dois vestibulares: na UFES e em Colatina. Passou nos dois. Mas, optou pela UFES embora se arrependa até hoje de não ter feito os dois cursos...
Mas, como gosta de dizer (para se consolar?) são águas passadas.
Fez seu curso, com excelentes notas, e considera os três anos e meio que passou na Faculdade a época mais feliz de sua vida.
Teve professores competentes, conheceu colegas queridos, com os quais conviveu por todo aquele período.
Assim, se no inicio o motivo que a levou a retomar seus estudos partiu de uma injustiça, no final, o ganho que obteve, foi maravilhoso.
Não mudou, nem lhe acrescentou nada, quanto à sua vida profissional.
Mas freqüentar a Universidade abriu para ela um mundo novo, fazendo com que tivesse uma nova visão sobre muitas coisas que até então não possuía.
Ao fim e ao cabo, a colocação daquela “pedra” no seu caminho, fez com que a “topada” a levasse a crescer, a fazer novas amizades, a conviver com pessoas novas, abriu muito os seus horizontes.
A verdade é que Deus usa de expedientes para realizar os planos que tem para nós, muitas vezes (aliás, na maioria) que fogem ao nosso imediato entendimento... Só mais tarde é que vamos entender os porquês de determinados rumos que nossas vidas tomam...
Deus sempre sabe o que faz e porque o faz.
Moral desta historinha: aquele “obstáculo” em seu caminho, só lhe fez bem. Sem dúvida nenhuma, um grande bem.


THELMA MARIA AZEVEDO

MEU VIZINHO, O JUIZ

Conheci primeiro sua esposa. Morávamos na mesma rua, em Santa Teresa, meu primeiro endereço de recém-casada. Depois, engravidamos, com poucos dias de diferença, ela do seu terceiro filho e eu da minha primeira filha. Tricotávamos sapatinhos, mantinhas, enquanto assistíamos às crianças em seus folguedos, na pracinha. A amizade nasceu e foi crescendo.
Pessoa alegre, sempre de bem com a vida, era uma companhia agradável e amiga sempre presente.
Seu marido, o juiz, pessoa austera, sempre sério. No começo me deixava um pouco intimidada.
Contudo, com a convivência, fui descobrindo que pessoa especial ele era.
Bom esposo, sempre atento e carinhoso com sua companheira.
Pai exigente, sempre corrigindo, educando, mas deixando transparecer em suas zangas, o grande amor que sentia pelos filhos.
Santa Teresa era, na década de 50, uma cidadezinha muito pacata, sem graves ocorrências policiais.
Nos dois anos em que lá morei, só lembro de um crime (dizem que por disputa de terras) que abalou aquela comunidade.
Assim, o juiz não vivia assoberbado de trabalho. Do Fórum para sua casa, de casa para o Fórum, ia resolvendo os processos que lhe eram apresentados, dentro da correção e integridade que lhe eram natas.
Um dia, estávamos os três na varanda de sua casa, eu já de saída, quando chega um moço com uma “capoeira” de galinha. Para quem não sabe, é como o pessoal do interior chama aquele engradado para transportar as penosas.
O meu vizinho foi até o portão para recebê-lo.
O moço tirou o chapéu. E travou-se entre eles o seguinte diálogo.
-Aqui é que mora o juiz?
-Sim senhor.
-Bom, eu trouxe estas galinhas pra ele.
-Ah... O senhor conhece o juiz?
-Não senhor.
-E estas galinhas, foi algum amigo dele que mandou?
-Não senhor. Sou eu mesmo que estou trazendo para ele.
-Mas o senhor não conhece o juiz... Não é amigo dele, pois não?
O moço coçou a cabeça, embaraçado.
-Por acaso não teria nenhuma queixa registrada contra o senhor na Delegacia de Polícia?
-Sabe, doutor, outro dia eu andei bebendo além da conta. Briguei com meu vizinho e dei umas garrafadas nele. Mas coisa de pouca monta, doutor. Não foi nada sério, juro pro senhor. Mas ele ficou brabo e deu queixa de mim pro delegado. “Tou” sabendo que tenho que ir falar com o dr. Juiz.
-Ah, é? Puxa já daqui com sua “capoeira” de galinha! E depressa!
-Mas...
-Sem mas, nem meio mas! E antes que eu me arrependa e lhe mande prender.
O homem pegou sua capoeira e escafedeu-se.
Rapidamente sumiu na curva da rua...
Mas o meu vizinho, o juiz, Carlos Teixeira de Campos era assim. No exercício de sua profissão, não admitia receber nem um agrado, nem mesmo se este tivesse penas.
Mas sua personalidade tinha um outro lado. Era um poeta. E suas poesias, muitas delas sobre pontos turísticos do Estado do Espírito Santo, retratavam o quanto amava esta terra, ele que era natural do Estado do Rio de Janeiro.
Em uma delas, falando de sua profissão, “A prece do juiz”, na última estrofe pede o seguinte:

“Concedei, para sempre, ó Soberano,
a este humilde julgador humano,
a inspiração de só fazer justiça!”

Mas a poesia dele que eu mais gosto é aquela que fala sobre a saudade.
Porque é este o sentimento que me enche o peito, quando lembro do dr. Carlos, de nossas conversas, do seu incentivo quando descobriu que eu também gostava de escrever.
Mais do que nunca ao ver nos nossos dias, tantos juízes, desembargadores metidos em falcatruas, ilegalidades, me vem ao pensamento a sua figura íntegra, honrada, do quanto dignificou a profissão que exerceu durante toda a sua vida.
Acima de tudo, Carlos Teixeira de Campos é um magnífico exemplo a ser seguido!

SÃO JOSÉ DO CALÇADO

Minha história de amor com este município espírito-santense começou há muitos anos atrás.
Funcionária da SEDU, trabalhava em um departamento que coletava dados estatísticos das escolas da redes estaduais e municipais, públicas e particulares. Dividiu-se o Espírito Santo entre uma equipe que viajava em busca destes dados, quando os mesmos não nos chegavam em tempo de serem trabalhados para constarem dos boletins que o DAD publicava, anualmente.
Os meus municípios eram: Apiacá, Bom Jesus do Norte, Divino de São Lourenço, Dores do Rio Preto, Alegre, Guaçui, Jerônimo Monteiro, Muqui, Mimoso do Sul e São José do Calçado.
Dez ao todo.
Tínhamos, em cada um deles, uma coordenadora responsável pela distribuição e recolhimento dos formulários a serem preenchidos pelas escolas, onde ficavam registrados os dados sobre as crianças matriculadas, por série, idade e sexo.
Nosso projeto era carinhosamente apelidado por nós de “conta menino”.
É bom que se diga que a construção, ampliação, reforma de escolas, campanhas de estímulo para que todas as crianças freqüentassem as escolas, muito dependia do conhecimento que se adquiria da real situação do que ocorria na área educacional de cada município.
Ficávamos alguns dias percorrendo, com a coordenadora, as escolas (principalmente as singulares) situadas nas fazendas, onde as crianças das quatro séries estudavam na mesma sala de aula, com a missão de resgatar os formulários que ainda não nos tinham sido entregues. Os grupos escolares, localizados nas sedes dos municípios, eram mais fáceis de serem contatados.
Era um trabalho gostoso, ficava-se conhecendo muitas pessoas, suas histórias de vida, algumas de nos deixarem comovidas.
Em uma de minhas crônicas, intitulada “Dedicação do mestre”, publicada em ”Uma poesia, algumas crônicas e tanta coisa que sempre escondi...”, faço uma justa homenagem à professora Lair, que conheci através de Maria Amélia, a coordenadora do projeto em Muqui.
Era um tempo feliz. Lembro-me de chegar à pensão em São José do Calçado: a porta sempre aberta, quem chegava ia entrando... não se vivia apavorado, como hoje, com medo de tudo e de todos.
Mas, o que quero contar é que devido a este trabalho dos meus dez municípios, São José do Calçado era dos mais queridos.
Lembro-me da igrejinha, singela, a que se chegava depois de galgar alguns degraus...
Do prefeito da época, gentil e atencioso, nos recebendo e colocando-se à disposição para aquilo que precisássemos.
Da SEDU fui para a SESP, envolvida em outras tarefas administrativas. Mas sempre acompanhei, de longe, as notícias dos “meus” municípios.
Aposentada, estive sempre ligada à literatura e à poesia em especial. Embora não saiba escrever versos, é uma área que adoro. Criei um site, www.poetas.capixabas.nom.br onde divulgo o talento dos nossos poetas e poetisas. Já tenho cadastrados quase 2 mil e 100 poetas e poetisas, e mais de 8 mil poesias digitadas.
Com orgulho posso dizer que o meu site é o único no Brasil dedicado a um só Estado da Federação.
Saber que São José do Calçado tem sua própria ACADEMIA DE LETRAS, que faz parte do Guiness Book brasileiro como o município que tem mais escritores por metro quadrado, encheu meu coração de alegria e orgulho. É como se eu fosse uma cidadã calçadense e uma parte deste feito me pertencesse também.
Em recente mudança feita no site, foi criado um link para “Notícias”. A que coloquei, estreando-o, foi sobre os lançamentos de livros de escritores de São José do Calçado.
Foi uma alegria começar tão bem esta nova página em meu site.
Parabéns, calçadenses!